domingo, 21 de dezembro de 2008

Filosofia e esquizofrenia Contos de Îcara

Manaus, 15 de julho de 2006

Contos de Ícara

Primeiro conto


Entrei no ônibus pela porta da frente na distração do motorista, logo depois me fitou perplexo e manteve-se calado. Sentei ao lado de uma mulher jovem, que logo se mostrou confusa e enrubescida, levantou-se e caminhou até próximo a porta de saída e lá permaneceu.
O movimento estava estranho à minha volta, elas são desse tempo e desse espaço, são pessoas limitadas pela dimensão que as comportam. (isto todo mundo sabe)!
As pessoas me olhavam pelos ombros; mas havia um homem que me aborrecia, pois me colocou no foco de seu campo visual com perseverança, me saboreava e queria que eu soubesse que desejava intimidades desregradas comigo. Eu o ignoro como venho vendo todos abaixo de mim desde que me internaram viva sem meu consentimento.
Aqui, as pessoas são mutistas; poucas ousam dialogar nessa condição, mostrando que são pessoas transgressoras, pois querem apresentar posse de espaço e poder nesse ambiente coletivo; aqui, as pessoas são herméticas; nessa situação devo permanecer vigilante, pois meu assassino está sentado no banco de trás e está me observando, posso senti-lo na brisa expelida por seus pulmões que vibram na minha sensível região nucal.
Viro meu rosto, vejo pessoas atônitas, elas mostram o que são, percebo sem esforço suas personalidades objetivas, de uma por uma e em unanimidade sinto em seus olhos como são personas covardes, tímidas e inválidas.
Mas eu estou aqui, parada, muda, tranqüila. O que veriam em mim, se não estou apresentando-lhes nenhum de meus atributos, sejam bons ou maus; essa que é a forma ou a única forma que têm para avaliar ou julgar uma situação quando insistem em não se apresentarem em estágio de inexpressão ou em indiferença ao que não conhecem, assim e somente com essas duas qualidades avaliam as outras pessoas: boas ou más. Pois estou parada, muda, tranqüila... Como podem me compreender se nada de mim é manifestação? Sou introspectiva... Espere um pouco... Minha aparência me condena... Minhas roupas mostram muito de mim, estou vestida com o que sou... Identificam minha tribo e seleciona os meus amigos, inimigos e os estranhos. A cor da minha pele identifica minha estirpe, minha classe, minha família...
Sabe o que acho em relação ao preconceito? Uma grande bobagem, pois não podemos odiar o outro em função de sua cor e sim todos os que não seja você mesmo. Eu sou o que há de mais magnífico nessa existência... Foda-se o resto...
Uma velha sentou-se ao meu lado, fitou-me enquanto eu observava o movimento da rua. Vi no reflexo do vidro da janela sua enrugada face preocupada. Esta anciã me incomoda; me virei, olhei nos seus olhos como quem fala: saia de perto como tem feito os outros! Mas ela abriu a boca e falou: Use sutiã minha filha, seus peitos vão encontrar a barriga!
Mas como essa senil é estúpida? Como ousa além de sentar-se a meu lado ainda a exprimir tal desfortúnia lamentável? Não permiti que figurasse em meu rosto nenhum sinal comunicável.
Mas, com esta, devo sinceramente revelar minha presente situação que procurei omitir desde o início desse relato. Estou nua... E sei que estou frustrada já que não consegui desvincular dos outros qualquer forma de julgamento em relação a minha pessoa interior. Acham-me louca... É assim que agora me julgam! Louca!



31 de agosto de 2006


Contos de Ícara

Segundo conto


- Veja nesse jornal o diz meu signo hoje.
Eu estava lendo um jornal quando senti essa frase... Seria comigo? Sim, era uma moça que se sentou ao meu lado, com seus olhos de súplica esperançosos em uma resposta amigável.
Eu odeio os jovens!
Pensei, enquanto a fitava, se eu poderia ignorar sua imperatividade e o seu estar ao meu lado enquanto bebia uma xícara de café.
Acho que já estou velha... Talvez não sei o que é ter vitalidade, como tem essa mulher de pouca idade. Eu acho que ela deveria saber que evito, já recusei e pedi demissão de muitos empregos... (mas ela não pode saber nada da minha vida, dessa forma não deveria me incomodar)! Mas a questão é que minha atenção é solicitada de forma que poderia me pagar pelo meu tempo cedido, mas ela nunca iria pensar que teria esta obrigação para com o meu tempo. (Ela é uma garota muito mimada e talvez deva ser uma “puta de blazer”)!
Eu tenho tempo para ela e com certeza posso fazer tanta coisa pela minha vida e pela minha família não tendo um emprego que cansa e consome muito tempo de vida.
E essa energia que ela possui seria útil para algo que não fosse em função de futilidades juvenis? Poderia ser para mim uma dúvida que muito fatigaria minha cabeça; no entanto, penso se poderia me recordar de algum contra-exemplo. Mas caso não encontrar um contra-exemplo não poderei me deixar induzir em senso comum. Creio, sobretudo que existam infinitas coisas que ainda podem vir a ocorrer com caráter inédito e ou em tempo anterior perceptivelmente desconhecido.
Creio também na necessidade de destruir o mundo e todas as convenções que comportam tudo o que me é nocivo à vida. E conduzir tudo o que poderia ser belo, essencial e naturalmente as condições de sanidade para um orbe de construção de uma vida de valor. (Isso é uma das coisas que ninguém ensina para ninguém, outra é o conceito de liberdade, outra é o valor das necessidades imanentes e principalmente das necessidades inventadas... e ainda há outras definições que não me lembro agora e que não sei... No entanto, a princípio procuro fugir do padrão: servir e consumir. Isto deve ser evitado em estruturas mais complexas, como o mercado global, nacional, estadual e ainda municipal; mas cultive o servir e consumir dentro de uma comunidade isolada, familiar e melhor ainda: solitária).
Todo esforço revolucionário é uma manobra de seres otimistas que se manifestam por objetivos ou por glória própria. Existe motivação mais forte que suas próprias que os poderiam levar a uma situação singular de mártir? Poderia ser para mim uma dúvida que muito fatigaria minha cabeça, no entanto, penso se poderia me recordar de algum contra-exemplo. Mas caso não encontrar um contra-exemplo não poderei me deixar induzir em senso comum.
Tenho uma tendência grandiosa ao pessimismo; com que motivação me poderia suprimir todas as minhas dúvidas e subir em um palco à frente de pessoas pequenas, mesmo que sejam passivas em receptividade de novos argumentos? Mesmo em dúvidas, se eu acreditasse em algo grandioso no humano que seja altruísta eu poderia ter uma forte motivação por tal esforço que poderia definir uma nova sociedade.
O que seria demasiado humano quando intentamos tal projeto? O que seria demasiado humano nessa finalidade? O que seria demasiado humano nesse ser social que porventura doravante colocar-se-ia outros valores e outras morais?
Seria eu uma moralista? Sim, sempre devo ser moralista. Porque agora posso defender minha moral.
É claro que isso só seria possível se meu senso visse no homem o engano do meu pessimismo. Isso me é na verdade também uma dúvida que muito fatiga meus neurônios.
Sempre me pus no centro do mundo de minhas dúvidas; seria eu um único referencial? O que eu poderia ser se me dessem uma outra infância e ou uma outra condição? Talvez isso deva ser uma fuga... Essa seria uma fuga inócua quando podemos conhecer outras possibilidades? Posso ser enfim independente dos psicotrópicos que é para mim a única fuga que ora me convém ou são uma necessidade do humano que ninguém diz que é realmente necessário e que ao contrário, procuram combatê-la?
Duvido na vida, em verdade, de tudo o que é ou que poderia ser mutável e frágil. Se ficar velha e idosa é uma constante da minha natureza, figura-se todo uma atrocidade assídua sob a qual estou submetida. Isso definiria já o meu pessimismo que entre outras razões me vem com força que me priva de ações políticas. Que a política fique para as pessoas otimistas, se é que são realmente otimistas, em todo o caso, que a política fique para os ambiciosos. Que engraçado! Sou eu também ambiciosa. Agora fiquei confusa! Com que razão... posso ligar os políticos aos ambiciosos?
Todavia, não posso aceitar ser a vítima nesse constante conflito social, mesmo em dúvidas devo agir, não devo fugir a nenhuma porrada, a não ser por benefício próprio. Lutemos enfim por nossas verdades subjetivas irmãos, (isso é o que eu não devo revelar a ninguém que poderia vir a ser meu oponente. Então... É agora que devo ser moralista! Isso me é uma ferramenta de dissimulação, por que tenho meus objetivos, e, sobretudo, sou má!
Estou hoje preocupada com minha debilitada saúde que vem definindo o meu signo. Sinto o meu destino nas bulas dos medicamentos que me drogam, me entorpecem, me consomem os neurônios e que mantém vivo essa estrutura já gasta pelo atrito de tudo o que me tem agredido nos últimos anos da história da humanidade.
Veja essa pessoa... Quanta inteligência! O que eu saberia através de sua condição se transferisse para ela o meu referencial do qual posso perceber o cosmo. O que ela me diria... Talvez não diria nada...
Mas eu posso induzir o que quero sem que fale alguma coisa, vou observá-la simplesmente, vou analisá-la em constância. Isso não seria útil... Que besteira a minha! Já que o que quero não se transmuta através desse espaço irreal e apenas sensitivo. O que eu veria nesse espaço coletivo no qual toda a subjetividade complexa de cada ser está em constante estado de conflito; vejo simplesmente um iminente caos generalizado.
Logo devo concluir que, conforme já tenho me sensibilizado sem levantar essa reflexão: odeio os jovens.
O que devo fazer com essa garota que está me perturbando? Não sei!
Estou feliz por a pouco tempo ter recuperado minha sanidade mental. Tenho sido muito agressiva nesse passado próximo. Mas o que devo fazer mediante esse conflito explícito? É claro que sempre estamos sujeitos a esses conflitos, talvez não me deva perturbar com isso.
Não posso ter emoções fortes... Controle-se! Será que posso desconsiderar isso? Seria eu capaz de ser compassiva? Até que ponto ou limite devo ser gentil? Enfim, essas seriam dúvidas que turva a correta definição de minha personalidade! Não conheço simplesmente minha personalidade, talvez ainda não a tenha definida.
Teriam as outras pessoas essas mesmas dúvidas? Estariam todas as outras pessoas dissimulando todas essas dúvidas em sorrisos amigáveis?
Talvez eu deva me acomodar mais! Não posso ter emoções fortes... Não posso forçar o meu cérebro...
Enfim, acho que vou dar a ela a folha do jornal que a interessa.
Vou para casa tomar meu medicamento.
Manaus, 17 de outubro de 2006


Contos de Ícara


Terceiro conto

Toda reflexão sempre considera umas
idéias e omite outras infinitas.



Puta que pariu! Essa porra tem sempre que escorregar da minha mão?
Tudo bem.
Lua, lua... astro que desperta grandes sentimentos irracionais, incomuns em quem não tem tempo para levantar a cabeça; a velocidade do dia e da informação veluda o leito dos desgraçados servidores, otimizados em prol do desenvolvimento e manutenção das cidades... e dos seres sonhadores e intensos... sim! Eles constroem as pontes que me permitem a outra margem do igarapé; eles estão nas lanchonetes que me proporcionam saciedade em dias de ressaca; eles estão nas indústrias com seus ofícios alienadores produzindo os DVD’s que eu costumo alugar; eles estão trabalhando... Por mais que pareça ser, eu não sou marginal e muito menos uma parasita, eu faço arte!
Perfeito! Iluminação lunar era o que eu queria; como saciou minha angústia! O abastecimento de energia elétrica também falha, como tudo o que é certinho, de terno, gravata e o caralho também falham; veja como as pessoas precisam de candeeiros e velas! Não somente eu devo sofrer com muita freqüência de descrédito. Maravilha!
Penso em vinho, em fumo e em tudo o que poderia vir a ser uma representação abstrata; que nessa imensidade insuportavelmente real nunca poderia me entender. Penso em minha gastrite e em minha sinusite... não preciso de poesia, preciso de sobriedade e de realidade! não preciso de piração, preciso de tranqüilidade.
O cheiro de vinho é maravilhoso. Minha vida tem sido uma constante sensação utópica.
Sou um papel em branco de muitas possibilidades, um mundo caótico que brinca de descrever em uma perfeita ordenação de idéias. Minha vida tem sido um fluxo de reflexão... sou muito sábia e inteligente... com certeza!
Sempre venho recordando do acidente que uma amiga minha sofreu recentemente; isso me tem transtornado bastante... estou hoje pessimista e insistentemente pessimista. Acho que vou precisar de mais vinho. Sempre irei precisar desse sabor na minha vida?
Aquelas três pessoas estão me observando e rindo da minha cara, por sinal! Devem estar pensando que sou a pessoa mais devassa que conhecem. Elas poderiam estar pensando que estou sempre em posição desconfortável nesse gramado, por eu estar sempre demonstrando minha inquietação e angústia... puta que pariu! Nunca mais vou dar meu cu!
É... Dádiva!... meu mestre? Quem... saber. Estou com fome, talvez?... Vermes! Eu deveria ser rica... sou superior e em constância superior... Sono... sempre sono! Ah! Eu poderia continuar beben... mas eu vou me deitar aqui...
... Nossa! O sol está quente! Verão simplesmente! ou o sol está sempre quente? Quanta luminosidade e sensação de suor! Meu cabelo... como está rebelde? Sei que não sou tão vaidosa assim! E essa grama umedecida e toda essa sensação de fogo... A garrafa de vinho ainda pela metade deitada sobre minhas pernas... ambas não violentadas! vibrando e produzindo calor...
Bebamos o vinho!... não! vou comer alguma coisa... preciso comer algo, um x-salada talvez seja mais acessível. Tenho dois reais... talvez seja o suficiente! Aqui próximo tem uns lanches abertos que são careiros... vou caminhar um pouco, eu sei onde tem um x-salada de dois reais.
Não acredito! O amor da minha vida a poucos metros... preciso disfarçar... ele não pode me ver assim! Não! Não... ele está vindo! Estou fudida!
“—— Oi! Por onde andava? Você é realmente uma louca!”
“—— Oi! Tudo... tudo bem?”
“—— Tudo. Como sempre com uma garrafa de vinho barato na mão. Sabe que lhe venho observando ultimamente?”
“—— Nossa... estou toda envergonhada agora!”
“—— Saiba que você não me tem descrédito algum. Adoro o seu espírito livre. Você vem a mim como um sonho ou como a resolução última na qual procuramos em vida. Eu venho pensando em tudo o que há de belo no mundo, em todas as sensações agradáveis, nessa árvore que levanta seus galhos lodosos na nossa frente e creio, sobretudo, na grandiosidade da vida... Um imenso e pomposo espetáculo! Maravilhoso! Veja aquelas flores! Espere um pouco... para você.”
“—— Que lindas flores! Adoro flores.”
“—— Eu sabia que iria gostar... não pude escolher com mais atenção em uma floricultura a mais ideal e conveniente para você, mas essa espontaneidade é maravilhosa.”
“—— Você é muito romântico! Sabia?”
“—— Romântico, claro! Formidável...”
“—— Você é muito romântico, mesquinho, pequeno e bobo!”
“—— Huau! Como você é fabulosa!”
“—— Porque você não encara a podridão da vida sem resignação alguma? Sabe o que isso significa?... Você já sentiu fome na vida? Você já foi torturado? Você é só um cara novo e bonito que tem dinheiro! muito sonhador, por sinal!”
“—— Você acredita que eu deva sofrer?”
“—— Não! Claro que não meu amor. Sabe... eu preciso de mais uma garrafa de vinho!”
“—— Claro! Claro! Vamos ali no mercadinho comprar.”
“—— Maravilha, querido!”
Por que eu sou assim tão ácida? Queria poder ser mais singela... não! Sou a personificação da potência em si, um ser grandioso que precisa de uma garrafa de vinho para distrair meus pensamentos napoleônicos.
“—— Aqui está querida. Preciso ir agora!”
“—— Já vai?”
“—— Já.”
“—— Não queres beber comigo?”
“—— Tenho um compromisso agora. Vou ao hospital visitar meu pai.”
“—— Então ta bom! Tchau!”
“—— Tchau!”
Mais uma garrafa de vinho... Maravilhoso! Voltemos ao úmido gramado fabuloso da praça.
Viver intensamente essa sensação matinal é maravilhoso... Vinho e sol; arvores florescentes e... que sentimentos de estar tão inusitados, simplesmente... isso... estar bêbada... tudo, talvez possa ser uma tortura ou um martírio...

Um comentário:

  1. Inácio, eu não sabia que você tem outro blog e ainda mais antigo que a autobiografia.

    Contos de Ícara eu o conheço bem uma vez que o corrigi impresso. É muito bom e bem inspirado, como tudo que você faz.

    Abraços!

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